terça-feira, 19 de julho de 2011

Desafios sobre a apropriação dos conhecimentos geográficos no tempo das novas tecnologias educacionais


Willian Marques Pauli[1]

Resumo

Buscando debater como a escola e o ensino de Geografia se organizam perante as novas tecnologias educacionais e as novas gerações de alunos inseridos nos meios virtuais, o presente artigo burca refletir quais as estratégias pedagógicas que podem ser construídas para viabilizar uma melhor interlocução entre a disciplina de Geografia e os estudantes nessa nova realidade.

Introdução

As tecnologias educacionais estão cada vez mais inseridas na realidade escolar. É bastante perceptível a inserção dos estudantes nas novas tecnologias de comunicação, em especial da internet. Refletir sobre como a escola e o ensino de Geografia agem perante essa nova realidade se apresenta como tarefa imediata.
O presente artigo busca problematizar a partir da concepção de escola como espaço voltado para a apropriação do conhecimento cientificamente elaborado por parte dos estudantes. Debatendo o que é preciso ensinar e como ensinar os conhecimentos geográficos apresentados na educação básica.
A nova realidade vivida pelas gerações de estudantes nascidos e inseridos nas novas tecnologias e na internet insere esse debate num novo patamar, obrigando os professores de Geografia a repensarem suas práticas pedagógicas a fim de criarem novas maneiras de ensinar e dialogar com essa nova realidade.
Por fim, relatamos uma experiência desenvolvida por meio da organização de um blog como uma tentativa de viabilizar o aprendizado dos estudantes nessa nova realidade.

 O que e como ensinar Geografia no tempo das novas tecnologias educacionais

A prática pedagógica do professor de Geografia enfrenta inúmeros desafios no cotidiano escolar. O principal é viabilizar a aprendizagem dos conhecimentos geográficos, pois a escola deve se responsabilizar pelo “conhecimento elaborado” (SAVIANI,1997, pg. 19). E possibilitar aos estudantes a apropriação dos conhecimentos geográficos produzidos historicamente é uma tarefa árdua para a sala de aula.
Durante o desenvolvimento das atividades escolares, o professor de Geografia se defronta com um aparato curricular que orienta sua prática docente seguindo um criterioso percurso de conteúdos.  Em que medida esses conceitos geográficos mobilizam os estudantes a refletirem sobre a realidade imediata dos mesmos? Nesse sentido, o conteúdo deve ser concebido como um instrumento que auxilia os estudantes a refletirem, com o intuito de partir do senso comum com a perspectiva de alcançar o saber sistematizado.
Para isso é fundamental rompermos com a prática pedagógica da memorização de nomes e conceitos geográficos. Nossos estudantes precisam dominar e entender o que são e para que servem esses conceitos. Só assim eles poderão refletir e agir criticamente sobre suas realidades. Memorizar o nome de um conceito não garante sua apropriação e utilização. De que adiantaria aos estudantes, por exemplo, memorizar as principais migrações ocorridas no Brasil sem que eles consigam compreender as migrações ocorridas na história de suas famílias, e as consequências que isso pode ter provocado em suas vidas. Somente quando isso for viável é que eles estarão predispostos a pensarem o Brasil e se sentirão partícipes desse processo.
É por essa razão que é indispensável à ciência geográfica a reflexão sobre seus objetivos para com a educação básica. De que maneira os conhecimentos geográficos podem contribuir para a formação do estudante, o que e como ensinar. Segundo Saviani, esse é

[...] o problema da transformação do saber elaborado em saber escolar. Essa transformação é o processo através do qual selecionam-se, do conjunto do saber sistematizado, os elementos relevantes para o crescimento intelectual dos alunos e organizam-se esses elementos numa forma, numa sequência tal que possibilite sua assimilação. Assim, a questão central da pedagogia [ensino de Geografia] é o problema das formas dos processos, dos métodos; certamente, não considerados em si mesmos, pois as formas só fazem sentido na medida em que viabilizam o domínio de determinados conteúdos. (1997, pg. 88, grifos do autor)”

O professor de Geografia não pode observar os conhecimentos geográficos como algo pronto e acabado, que deva ser transmitido passivamente, como se o aluno fosse um hardware pronto para receber dados e informações. O currículo precisa ser entendido como algo vivo e pensado permanentemente, numa perspectiva em que a prática docente observe atentamente o que é importante ensinar e principalmente como ensinar. É por isso que o método é crucial para alcançarmos nossos objetivos. Para Saviani

“[...] a questão central da Pedagogia [ensino de Geografia] é a questão dos métodos, dos processos ...o professor está mais interessado em fazer progredir o aluno. O professor vê o conhecimento como um meio para o crescimento do aluno; enquanto para o cientista o conhecimento é um fim, trata-se de descobrir novos conhecimentos na sua área de formação, Nesse sentido, [...]o melhor geógrafo não será necessariamente o melhor professor de Geografia [...] E por que? Porque para ensinar é fundamental que se coloque inicialmente a seguinte pergunta: para que serve ensinar uma disciplina como Geografia, história ou português aos alunos concretos com os quais se vai trabalhar? Em que essas disciplinas são relevantes para o progresso, para o avanço e para o desenvolvimento desses alunos? (1997, pg. 88, grifos do autor)”

Esses questionamentos são indispensáveis para organizarmos nossa prática docente num tempo histórico inserido na revolução tecnológica na qual a escola incorpora novas tecnologias educacionais. Por isso a questão do método precisa ser reinventada na medida em que os estudantes já nascem no mundo digital e criam suas estratégias de aprendizado e comunicação com o mundo por meio da internet e da informática, pois “hoje nossos alunos pensam e processam informação fundamentalmente diferente dos seus antecessores. E estas diferenças são mais profundas e vão muito mais longe do que a maioria dos educadores percebem”. (PRENSKY, Marc, apud. CORACINI, pg. 3, 2009)
Enquanto os professores migram de outras tecnologias como livros, quadro e giz para a informática, as novas gerações de estudantes já nascem inseridas nessa nova realidade e desconhecem muitas vezes como era o mundo antes da internet. Segundo Ribeiro, adolescentes e principalmente crianças

não conseguem compreender o mundo sem a utilização da comunicação em tempo real, configurando-se como Nativos Digitais. Em outras palavras, a tecnologia é totalmente incorporada no seu cotidiano, sendo utilizada como ferramenta útil nos estudos, na vida diária e como um poderoso espaço para o desenvolvimento das suas relações sociais, através da participação em comunidades virtuais. Dessa forma, a criança é um agente social que interpreta seu mundo e sua vida de forma particular, através de múltiplas interações estabelecidas pelas crianças entre si e com adultos (2010, pg. 17)

É diante desse momento histórico e dessa realidade que precisamos repensar nossa prática pedagógica e, sobretudo nosso método. Pensar o que, mas principalmente como ensinar Geografia nesse novo contexto. Além disso, é fundamental que nossas novas práticas viabilizem uma apropriação reflexiva e crítica. De nada adiantará inserir as novas tecnologias educacionais em nossas aulas se reproduzirmos práticas como a da memorização superficial. Seria como continuar ensinando no passado com uma fantasia do futuro.

Cultura do Ctrl+C e Ctrl+V

Os processos de ensino-aprendizado de Geografia são estruturados muitas vezes tendo como objetivos a memorização de nomes e informações, é o que chamamos de memorização superficial. É muito comum o professor de Geografia explicar um determinado assunto aos estudantes, e na hora de avaliá-los, cobrar que saibam exatamente o que significa os conceitos centrais do assunto abordado. O risco que se corre com esse tipo de prática pedagógica é a de que a memorização não garante a reflexão, exercício indispensável à disciplina de Geografia.
A pedagogia da memorização reflete ao longo da vida escolar, e exige, em certa medida, uma adaptação dos estudantes a esse método. Já há algumas gerações a prática de copiar um conceito sem se refletir sobre ele se difunde na relação entre professor e estudantes nas aulas de Geografia. E diante dos novos paradigmas que as tecnologias impõem a escola, essas práticas ganham novas roupagens.
É muito comum, por exemplo, a utilização da internet e outras tecnologias educacionais para a realização de pesquisas e trabalhos. Em muitos casos os textos são copiados integralmente da internet pelo aluno, sem a preocupação de selecionar as partes do texto que tratam do tema proposto. Incluindo links e temas sem relação com a proposta do trabalho, o que evidencia a falta de leitura do próprio trabalho entregue. 
Em que medida esses exercícios contribuem para a aprendizagem do estudante? Como a cópia, muitas vezes realizada sem leitura pode contribuir para a reflexão e a apropriação do conhecimento? Cabe-nos pensar se esse tipo de exercício contribuí para o processo de ensino-aprendizagem, e as limitações que essa cultura proporciona. Por isso afirmamos que a internet não pode ser considerada um fim em si mesmo, mas que precisa ser compreendida como um instrumento de difusão do conhecimento geográfico, e na escola, como um importante instrumento pedagógico das nossas aulas.
A reprodução desse tipo de atividade é bastante comum não só entre os professores de Geografia, mas em todas as disciplinas curriculares que compõe a educação básica. Reproduzir esse modelo pedagógico de pesquisa não garante o aprendizado dos conhecimentos elaborados. A memorização e a cópia podem inserir professores e alunos numa encenação, quando o ensino se resumiria a uma dramaturgia pedagógica.
Para se construir superações desse modelo os professores de Geografia precisam compreender os motivos pelos quais os estudantes reproduzem esse modelo. Eles não são descompromissados ou desinteressados pela Geografia como muitos professores pensam. O hábito de memorizar e copiar não estão resumidos  a morosidade ou a indisposição do estudante em estudar um determinado assunto, mas com uma cultura construída historicamente. A cópia aleatória de textos pode estar relacionada com uma resposta do estudante a falta de interlocução do campo do conhecimento geográfico com os seus interesses e desejos. Aprender é um ato que está relacionado com uma série de coisas como o interesse e as condições cognitivas disponíveis para tal.
O desejo de aprender passa pela necessidade de construir os meios necessários para que todos os estudantes possam ser incluídos e tenham as condições imprescindíveis para aprender. Isso por que o aprendizado não ocorre de maneira igual entre todos. Existem diferentes formas de se aprender, e as experiências e a história de vida dos estudantes produzem diferentes estruturas cognitivas (CORACINI, pg. 3, 2009). E a escola nesse sentido, não tem conseguido criar diferentes estratégias pedagógicas para dar conta da diversidade existente entre os estudantes. 
A cultura da cópia pode ser uma resposta do estudante a falta de interlocução entre suas condições cognitivas e a homogeneização didática executada pela escola e pela Geografia escolar. Nesse sentido, o desinteresse não é simplesmente uma limitação do indivíduo perante os conhecimentos geográficos, mas uma condição social construída historicamente onde o próprio estudante é a própria vítima.
É por isso que afirmamos que essa cultura não está apenas enraizada no estudante, mas também no professor que a reproduz e não é capaz de criar um fato novo para oxigenar sua prática pedagógica e viabilizar um aprendizado reflexivo e crítico acerca dos temas propostos pelo currículo de Geografia a educação básica.

Proposta pedagógica do Geoensino de comentários e tomada de posicionamento por parte do estudante

Questionamos se as tecnologias educacionais podem nos ajudar a superar antigas práticas pedagógicas do ensino de Geografia. Isso porque, indiscutivelmente, estudantes e professores estão cansados do quadro e do giz. Mas superar esses antigos instrumentos também não é uma tarefa simples, exige grande mobilização. Assim, é preciso reinventar novas práticas que levem em conta uma nova realidade trazida pelas gerações de estudantes agora inseridos no meio digital, e por isso tudo está por ser construído.
Nesse sentido, a construção do blog Geoensino (www.geoensino.net) se concretizou numa interessante experiência pedagógica nas nossas aulas de Geografia. Desde sua fase de elaboração tentou-se organizar um novo ambiente de aprendizado. Dessa forma não se resumia apenas a uma fonte de informações, ou um local para se colocar textos e imagens, mas um espaço para que os alunos interagissem e contribuíssem com seu funcionamento.
Estruturado em várias sessões, o Geoensino tem páginas com imagens, mapas, vídeos e jogos educativos que subsidiam os temas abordados. Além disso, textos explicativos são inseridos conforme os conteúdos avancem nas aulas. Há espaço ainda para a divulgação das atividades desenvolvidas pelos alunos e para registro das turmas que participaram das atividades do blog.

Figura 1 - Visão geral do blog Geoensino registrada no dia 14 de setembro de 2011.

A partir de sua criação a organização de nossas aulas está sempre conectada a utilização do Geoensino. As atividades ocorrem nas salas informatizadas das escolas, a produção dos estudantes e o processo avaliativo ocorrem totalmente pela internet. Durante as aulas na sala informatizada, cabe ao professor um atendimento individualizado a cada estudante, o que contribui para a identificação de dificuldades e para a construção de diferentes estratégias pedagógicas para viabilizar as diferentes demandas apresentadas pelos estudantes.
O objetivo central do blog é a publicação de comentários aos textos pelos estudantes, que devem construir suas interpretações sobre dos temas apresentados. A construção de definições ocorre sempre a partir de um posicionamento por parte do estudante acerca do assunto. Em nenhum momento é solicitado à cópia ou a reprodução de um conceito.
O estudante deve construir uma visão própria sobre o conceito. Para isso, estimulamos por meio de perguntas que ele reflita sobre sua realidade e aponte de que maneira determinado assunto se relaciona com sua vida cotidiana. O tema problemas urbanos, por exemplo, debatido com os alunos da 6ª série, é problematizado no Geoensino por meio do uso de perguntas como: Você ou sua família já enfrentaram ou sofreram com algum dos problemas urbanos citados no texto? Escolha um desses problemas urbanos citados no texto e explique como ele poderia ser solucionado. Como você resolveria?
Como estratégia pedagógica, as atividades desenvolvidas buscam a apropriação dos conhecimentos geográficos e a construção de conceitos a partir da vida do próprio estudante. Essa prática se constitui como uma tentativa de superar a cultura da cópia e memorização dos conceitos geográficos, e estimula os estudantes a organizar uma nova cultura, uma nova forma de se relacionarem com os temas apresentados pela disciplina de Geografia.
Os resultados mais interessantes estão relacionados com a adesão e o envolvimento dos estudantes com as aulas de Geografia. Muitos acompanham de casa, acompanhados dos pais, os textos e novidades que são inseridos no Geoensino. Além disso, a participação e realização das atividades por parte dos estudantes atingem um índice de 100%. Ninguém deixa de fazer as atividades. Muitos estudantes que antes não participavam das aulas se envolvem de maneira empolgante  nas atividades do blog. 
Observamos dessa forma, um maior interesse dos estudantes com as aulas de Geografia. Alguns demonstram desejo constante que as aulas sejam realizadas na sala informatizada.  O blog se constitui numa indispensável ferramenta pedagógica das aulas de Geografia na medida em que viabilizou um novo canal de comunicação entre professor e estudante. Os temas são os mesmos, mas visivelmente mais atrativos aos estudantes por meio de atividades que utilizam o espaço de aprendizagem virtual.  .

Considerações Finais

A utilização de novas tecnologias educacionais como os blogs podem se constituir como uma importante ferramenta pedagógica, principalmente em relação à participação dos estudantes. Elas podem nos auxiliar na interlocução com o novo mundo vivido por eles, criando um novo canal de comunicação para as aulas de Geografia.
A construção de novas práticas pedagógicas será inevitável nesse novo momento histórico. Para aproximarmos os estudantes da disciplina de Geografia é importante que nossas novas práticas proporcionem uma nova forma de conduzir o processo de ensino-aprendizagem, superando antigas formas de ensinar que não dialogam com a nova realidade vivida pelos estudantes.
Nesse sentido, nossa tarefa não se resume a construir ferramentas virtuais, mas ambientes virtuais de aprendizagem que criem novas práticas pedagógicas que sejam capazes de mobilizar e dialogar com os estudantes do tempo das tecnologias e da internet.

Referências Bibliográficas

CORACINI, Eva Graciela Reyes. Novos tempos, novos desafios. O professor do século XXI. In: Congreso Internacional para la Investigación y el Desarrollo Educativo, 2009, Veracruz, México. Anais do Congreso Internacional para la Investigación y el Desarrollo Educativo. Ciudad de México, México, 2009. p. 1-13. Disponível em http://www.colposgrado.edu.mx/reyes.pdf Acesso em 3 de maio de 2011.

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e
perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1998. 

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas, SP:Autores Associados, 1997.

RIBEIRO, Ana Carolina Ribeiro.O computador como uma ferramenta para auxiliar na aprendizagem: a visão de alunos e professores. Monografia de Graduação. Porto Alegre: UFRGS, 2010. Disponível em: http://www.nuted.ufrgs.br/wordpress/wp-content/uploads/2011/04/TCC-Ana-Carolina.pdf Acesso em 10 de junho de 2011.



[1] Professor de geografia da rede municipal de ensino de Florianópolis, cursou e concluiu a licenciatura em geografia na UDESC em 2009, e o mestrado em educação na UFSC em 2011.

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